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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

REPOLHO REFOGADO COM OVO



Neste início de ano, minha mãe, já com certa idade levou um tombo no banheiro e cortou o rosto onde levou vários pontos. Resolvi então ir ao Rio de Janeiro vê-la, já sabendo que mesmo machucada, ela ia preparar uma comida que eu adoro que é língua de boi, pûre de batatas e repolho refogado com ovo. Tipo bife à cavalo, só que no caso seria repolho à cavalo.

Cheguei bem tarde da noite e no dia seguinte no almoço tinha minha comida predileta, é claro. O único problema desta comida é que após ingeri-la, passo por longo período de constantes e repetidas flatulências que são absolutamente necessárias para que meu organismo não estoque gases.

Antes do almoço, bebi três cervejas, acho que para dar uma incrementada no que estava por vir, almocei fartamente e sem me lembrar que certamente eu teria um largo período de fluidificação, resolvi ir ao centro da cidade de metrô.

Andei dois quarteirões até chegar na rua Voluntários da Pátria, parei ao lado de um poste, aguardando o fluxo de veículos melhorar para atravessar a rua.

De repente, senti uma rebelde flatulência no interior de minhas tripas, pressionando de dentro para fora o último portal de meu aparelho digestivo que ameaçou se abrir diversas vezes para liberar a meliante. Olhei para os lados e percebi que era horário de saída de escola pois havia uma montanha de crianças em meu derredor. Encostei meu ombro e a parte lateral de minha cabeça no poste e comecei a suar frio, na certeza de que aquela guerra estava perdida.

Antes de escorrer o terceiro litro de suor, o trânsito parou, as crianças atravessaram a rua e estando sozinho resolvi alforriar aquela contida flatulência para que ela ganhasse o mundo.

Não percebi que do outro lado do poste havia chegado uma senhora já bem idosa, cheia de sacos, saquinhos e sacolas nas mãos e um afrodescendente de pouco mais de dois metros de altura. Quando pensei que iria receber uma bela surra, ouvi a velhinha esbravejar, olhando para nosso companheiro de história:

- Deste tamanhão e fazendo essas coisas no meio da rua, safado, porco...

O rapaz atravessou a rua na frente, a senhora foi pertinho dele xingando suas gerações passadas e futuras e atrás, fui eu, aliviando definitivamente as pressões carbônicas de meu interior.

Pegamos o ônibus que nos levaria ao metrô, me sentei no primeiro banco, ao meu lado, desafortunadamente, sentou o grandão e atrás de nós, a senhora.

Vocês sabem que nestes acontecimentos, sempre sobra um resquício gasoso e a senhora foi xingando, batendo com o guarda-chuva na cabeça do grandão e gritando:

-Fez la fora e agora veio fazer aqui dentro, seu porcalhão imundo....

Desci do ônibus cabisbaixo e com a consciência pesada porque afinal, o cara estava apanhando por minha causa. Desci na estação do metrô contendo nova revolta no trampo final do aparelho digestivo, mas segurei bravamente e quando ia entrando no trem levantei a cabeça e vi lá dentro a velhinha e o grandão que me olhou com ódio no fundo de meus olhos e disse:

- Pelo meu bem e pelo seu, é melhor você pegar outro trem...

E o trem do metrô deslisou suavemente rumo ao centro da cidade, deixando a mim, solitário na plataforma, fazendo o que era necessário fazer...

Escrito por Helio Faria Junior